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sexta-feira, 3 de junho de 2016

A história dos barcos Rabelo

Barco Rabelo unloading casks in Vila Nova de Gaia
 
A história do vinho do Porto está repleta de histórias de adversidade. Somos abençoados com tantas maravilhosas narrativas sobre como a ingenuidade humana consegue por vezes suceder perante obstáculos consideráveis. Desta vez, gostaríamos de consigo partilhar um conto de bravura: a história de marinheiros corajosos que arriscavam as suas vidas para transportar o vinho do Porto da vinha até à costa.
 
Antes da criação da estrada e do caminho-de-ferro, as remotas quintas de vinho do Porto da região do Douro Superior apenas eram acessíveis através do rio.
Contudo, até que as barragens começassem a ser construídas na década de 1970, o Douro era um rio traiçoeiro. De corrente rápida e turbulenta, enfurecia-se entre desfiladeiros e gargantas até por fim se encontrar com o Atlântico na cidade do Porto.
Portanto, durante séculos,os produtores de vinho do Porto como a Taylor’s estavam dependentes de um grupo de marinheiros altamente qualificados para transportar a sua carga preciosa desde a vinha até às caves frescas na costa atlântica. Estes precisavam das tripulações dos barcos rabelos.
Marinheiros a descarregar um barril em Vila Nova de Gaia
O rabelo é uma embarcação de fundo chato, propositadamente construída para navegar nos terríveis rápidos do Douro.
 
Capaz de transportar até 100 barris de vinho do porto, os rabelos eram instantaneamente reconhecidos pelo seu longo e elegante remo de direção.
 
Doze homens incrivelmente corajosos e fortes compunham a tripulação de cada rabelo, todos eles sabendo que a próxima jornada poderia ser a sua última.
 
Por forma a navegar os rápidos de uma vez só,os rabelos precisavam de ser posicionados com grande precisão no rio
Uma vez apanhados na corrente, nada mais restava à tripulação do que ter esperar e rezar que estes emergissem incólumes nas águas calmas que se seguiam.
 
Já aí, o mestre no quadrante libertava a direção do remo, tirava o seu boné e, em seguida, cruzava os braços exclamando: "Agora vai com Deus”.
Barco Rabelo loading casks on the Douro River
 
 
Navegar a montante do rio acarretava as suas dificuldades.
 
Quando não havia corrente, os rabelos podiam ser remados à vela ajudada por ventos favoráveis. Mas contra as rápidas correntezas, a única opção era rebocar. Este era uma tarefa traiçoeira e difícil para as tripulações, escalando ao longo de desfiladeiros rochosos empoeirados, arrastando o barco com eles.
 
Sempre apenas a um milímetro de falhar e embater nos rápidos.
Se a tripulação tivesse sorte, teria um caminho de reboque. O rabelo soaria a buzina para chamar os agricultores locais. Um grito de "Eh! Boieiro " ecoaria em todo o vale, e com três pares de bois atrelados tentaria rebocar o barco.
 
Apesar da incrível habilidade das tripulações, muitas vidas foram perdidas no Douro, incluindo o Barão de Forrester, que pereceu no infame Cachão da Valeira em 1861, juntamente com o seu lendário cinto de dinheiro cheio de ouro.
Não será surpresa nenhuma saber que estes marinheiros eram homens de fé. Aos rabelos foram dados nomes religiosos e muitos santuários e maravilhosas pinturas foram feitas nos penhascos com vista para os desfiladeiros mais perigosos.
Como recompensa pelo seu trabalho, a tripulação recebia três refeições frugais por dia. O pequeno-almoço da manhã e o jantar que consistia em sardinhas assadas, enquanto o almoço era uma refeição mais substancial de carne de vitela, pão e sopa de legumes.

Todas as refeições seriam bem regadas com uns bons copos de vinho. Tendo em conta a natureza da mercadoria, esperava-se que este vinho desencorajasse a tripulação de sonegar vinho do Porto diretamente das pipas.
 
Não era o que ocorria. O hábito da ‘prova’ significava que os marinheiros tirassem um pouco de vinho do Porto da mercadoria e muitas vezes o escondessem numa enseada para que o pudessem gozar no regresso. Até porque um bom vinho do Porto é difícil de resistir.
 
A primeira via ferroviária do Douro foi terminada em 1887. O rabelo não seria mais a única opção para o transporte de vinho e de mercadorias volumosas para a costa. Ainda assim, essas corajosas embarcações mantiveram-se em atividade durante muitas mais décadas.
Foi a vinda das estradas que mudou para sempre esta realidade. A última viagem comercial de um rabelo crê-se ter ocorrido em 1964.
 
Sem os rabelos e as suas corajosas tripulações, o comércio de vinho do Porto nunca teria prosperado. Daí que é mais do justo que as casas produtoras de vinho do Porto se tenham unido no sentido de salvar os rabelos da extinção. Muitas destas casas de vinho do Porto construíram rabelos para nos lembrar de seus dias de glória.
 
Estes bonitos barcos vão para o rio no dia de São João, a 24 de junho, para participar da Regata Anual de Rabelos. É um evento maravilhoso a não perder.
 
E qual o momento mais esperado do dia? A corrida, pois claro.
Barco Rabelo

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